A influência negativa de sistemas religiosos sobre o comportamento e a saúde mental: uma análise sob a ótica da psicologia do comportamento e da neurociência cognitiva
Introdução
As religiões exercem papel fundamental na formação de valores, identidade e coesão social. Contudo, observa-se que, sob determinadas configurações institucionais — marcadas por dogmatismo, autoritarismo e mecanismos de controle comportamental — elas podem também se tornar fontes de sofrimento psíquico.
Na prática clínica psicológica, tem-se observado o aumento de quadros de ansiedade e depressão relacionados à influência religiosa excessiva, sobretudo em pessoas que estão em processo de questionamento ou afastamento da religião. Tais indivíduos frequentemente relatam culpa, medo, dissonância interna e confusão de identidade. Esse fenômeno, embora subjetivo, possui explicações sólidas à luz da psicologia do comportamento, da teoria da dissonância cognitiva e da neurociência cognitiva.
1. Controle comportamental e manipulação cognitiva
Segundo Hommel e Colzato (2010), em Religion as a Control Guide, os sistemas religiosos funcionam como guias de controle cognitivo, oferecendo regras e recompensas por conformidade. O indivíduo passa a internalizar normas e valores externos, transformando o controle social em autocontrole rígido. Esse processo reduz a autonomia cognitiva e a flexibilidade comportamental, reforçando padrões de submissão e obediência.
Na clínica, esse controle se manifesta em discursos internalizados de culpa (“se eu pensar diferente, peco”), medo da punição divina e comportamentos de evitação (por exemplo, evitar terapias ou ambientes percebidos como “contra a fé”). Tais padrões configuram um condicionamento operante socialmente reforçado, conforme o modelo comportamental clássico (Skinner, 1953), no qual o comportamento religioso é mantido por recompensas simbólicas (aceitação, salvação, pertencimento) e punições (culpa, exclusão, medo).
2. Dissonância cognitiva e sofrimento psíquico
Leon Festinger (1957) descreveu a dissonância cognitiva como o desconforto mental que surge quando uma pessoa mantém crenças ou atitudes contraditórias. Em contextos religiosos, esse conflito é comum quando o indivíduo começa a questionar dogmas ou práticas, mas sente que duvidar é moralmente errado.
Estudos experimentais (Proulx & Heine, 2010; Tavory, 2011) demonstram que a religião frequentemente oferece “narrativas redutoras de dissonância”, em que respostas prontas substituem a reflexão crítica. No entanto, quando o sujeito tenta se afastar do sistema religioso, a rede cognitiva construída sobre a fé entra em colapso parcial, e o indivíduo experimenta aumento de ansiedade, confusão existencial e sintomas depressivos.
Clinicamente, isso se manifesta em relatos como:
“Se eu deixar de acreditar, perco o meu sentido de vida.”
“Sinto culpa por não querer mais ir à igreja.”
“Parece que algo ruim vai acontecer comigo.”
Essas expressões revelam o conflito entre a autonomia emergente e o condicionamento anterior, onde a dissonância cognitiva se transforma em sofrimento emocional concreto.
3. Base neurocognitiva da crença e da rigidez mental
A neurociência cognitiva fornece evidências de que as crenças religiosas estão relacionadas a áreas do cérebro envolvidas em processamento moral, autocontrole e teoria da mente, como o córtex pré-frontal medial, o cíngulo anterior e o sistema límbico (Kapogiannis et al., 2009).
Pesquisas indicam que a ativação intensa de redes religiosas pode reduzir a flexibilidade cognitiva (Colzato et al., 2008; Zmigrod et al., 2018). Em termos comportamentais, isso se traduz na dificuldade de o indivíduo reinterpretar experiências sob novos referenciais, o que agrava a ansiedade e o medo quando há tentativa de ruptura com o grupo religioso.
O córtex pré-frontal ventromedial, responsável pela autorregulação emocional e tomada de decisão, também se associa a crenças rígidas (Asp et al., 2012). Assim, quanto mais internalizado o sistema religioso, mais automática e emocionalmente carregada se torna a resposta frente a estímulos contraditórios, como dúvidas ou mudanças de crença.
4. Adoecimento psicológico e fenômeno da culpa religiosa
Na prática clínica, observa-se que o rompimento com instituições religiosas controladoras pode deflagrar crises de ansiedade, depressão e sentimentos de vazio. Esses sintomas decorrem do rompimento com um sistema que antes fornecia previsibilidade, pertencimento e sentido existencial.
Além disso, o indivíduo passa a experimentar o fenômeno conhecido como culpa religiosa internalizada (Exline et al., 2011), que se manifesta por pensamentos recorrentes de indignidade, medo de punição e vergonha espiritual. Essa culpa, quando cronicamente ativada, aumenta os níveis de cortisol e ativa o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), intensificando sintomas ansiosos e depressivos (Koenig, 2012).
Do ponto de vista comportamental, a culpa atua como estímulo aversivo que mantém o sujeito preso ao ciclo de submissão e autocensura, mesmo quando cognitivamente ele já não acredita integralmente nas normas religiosas.
5. Considerações clínicas e implicações terapêuticas
A compreensão dos mecanismos psicológicos e neurocognitivos subjacentes à influência religiosa permite ao psicólogo clínico:
identificar padrões de condicionamento e dissonância associados à fé;
trabalhar a culpa e o medo religioso como emoções aprendidas e não como verdades absolutas;
promover autonomia cognitiva, flexibilidade comportamental e reconstrução de sentido de vida fora da estrutura dogmática;
acolher o sofrimento sem patologizar a religiosidade em si, mas diferenciando a fé saudável de religiosidade controladora.
Na experiência clínica recente (observada pela autora), há aumento significativo de pacientes que, ao tentarem se desvincular de práticas religiosas rígidas, apresentam sintomas de ansiedade e depressão. Esses casos reforçam a necessidade de o profissional compreender as interfaces entre crença, dissonância cognitiva e comportamento, para atuar de forma ética e baseada em evidências.
Conclusão
A religião, enquanto fenômeno sociocultural e psicológico, pode tanto favorecer o bem-estar quanto servir de instrumento de controle e adoecimento. Quando utilizada de forma manipuladora, promove controle comportamental, redução da flexibilidade cognitiva, culpa internalizada e dissonância cognitiva intensa, especialmente nos indivíduos em transição de crença.
A psicologia do comportamento e a neurociência cognitiva permitem compreender como tais mecanismos operam e oferecem recursos clínicos para reconstrução da autonomia psíquica e emocional, reduzindo o impacto negativo da influência religiosa sobre a saúde mental.
Referências
Asp, E., Ramchandran, K., & Tranel, D. (2012). The ventromedial prefrontal cortex and religiosity. Frontiers in Behavioral Neuroscience.
Colzato, L. S., Hommel, B., & van den Wildenberg, W. P. (2008). Religious beliefs and cognitive control: Evidence from the Simon task. Cognition.
Exline, J. J., et al. (2011). Religious and spiritual struggles. Psychology of Religion and Spirituality.
Festinger, L. (1957). A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford University Press.
Hommel, B., & Colzato, L. (2010). Religion as a Control Guide. Zygon Journal.
Kapogiannis, D. et al. (2009). Cognitive and neural foundations of religious belief. PNAS.
Koenig, H. G. (2012). Religion, spirituality, and health: The research and clinical implications. ISRN Psychiatry.
Zmigrod, L., et al. (2018). Cognitive inflexibility and religious fundamentalism. Journal of Experimental Social Psychology.